O povo que se dane! - por Edison Pires
Publicado em:
11 de março de 2023 12:30:00
Atualizado em:
10 de março de 2023 15:00:06
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A máxima do “só se aprende a fazer o correto depois que tudo dá muito errado”, continua em vigor, principalmente no Brasil, mais especificamente no Estado de São Paulo.
Foi necessário ocorrer a tragédia no Litoral Norte, em São Sebastião, com o epicentro na Barra do Sahy, para que algumas mínimas – porém essenciais - providências começassem a ser tomadas. No trágico deslizamento de encosta ocorrido no final de semana de Carnaval (19/02), foram contabilizadas as mortes de 23 crianças e 42 adultos, totalizando 65 vítimas.
Quem conhece a região, em especial o Sahy, sabe como a maioria das coisas funciona por lá. Grande parte das casas não recebe água tratada. Elas são abastecidas com água vinda de nascentes e pequenas cachoeiras das encostas. Não é difícil encontrar mangueiras cruzando as ruas canalizando a água. Por esse motivo, o consumo é evitado. Ela é usada para banheiros, piscinas, jardins e outros serviços básicos. Para o consumo humano, moradores e turistas dependem da compra de água mineral.
Agora, depois da tragédia, a Sabesp informou que vai atender com sistema de abastecimento de água até o fim do ano os bairros de Barra do Sahy, Baleia e Camburi/Camburizinho. Cerca de 6 mil imóveis nessas localidades serão conectados à rede da Sabesp, beneficiando ao todo quase 30 mil pessoas, entre moradores, turistas e veranistas. Os investimentos serão de R$ 27 milhões em estruturas de abastecimento, como reservatório e 68 km de rede. As obras terão início neste mês, com conclusão prevista em dezembro.
Definir um projeto de tamanha envergadura tão rapidamente – em menos de 3 semanas -, mostra que a companhia tinha conhecimento da necessidade desse investimento e que, pode sim, atender as demandas mais rapidamente em qualquer região. A decisão relâmpago passou por cima da burocracia da emissão das várias licenças, inclusive ambientais, para a viabilização das obras. Nem mesmo a disponibilidade de fluxo de caixa demorou para ser avaliada, tão pouco foram necessários estudos para a viabilidade do local, ou, até mesmo sobre o impacto das obras na comunidade. Nada disso precisou de longos meses de estudo, enfim, tudo ocorreu a toque de caixa, deixando claro que, quando se quer, se faz! E ainda, dentro da lei!
Dando sequência aos “milagres pós-tragédia”, o governo do Estado vai desapropriar área de 10 mil metros quadrados distante da encosta e aprovada para implantação de empreendimento habitacional, para atender a população instalada em área de risco. Além desse terreno, a Prefeitura de São Sebastião cederá outras duas áreas, de cerca de 19 mil m², em Maresias e Topolândia, para a construção de mais moradias populares para os atingidos na Vila do Sahy. Longe de encostas!
Só para ilustrar e confirmar minha indignação, no Projeto de Regularização Fundiária Sustentável, elaborado pela prefeitura de São Sebastião em 2014, consta um mapeamento do Instituto Geológico (IG), realizado ainda em 1996 no qual a Vila Sahy já era apontada como dentro de um perímetro de risco muito alto, risco alto e risco médio para escorregamentos (deslizamentos de terra) e inundações. Na época, o IG constatou "risco muito alto" e "risco alto" para escorregamento de encosta em duas ruas da comunidade e recomendou a remoção preventiva dos moradores ou "obras de contenção de médio porte associadas às obras de drenagem". Só agora, depois de tantas mortes é que encontraram soluções e dinheiro para tais providências.
Continuando, precisou a tragédia para que o Ministério Público de São Paulo venha apurar as responsabilidades do não atendimento ao alerta emitido pelo próprio MP. Assim como a Prefeitura de São Sebastião ignorou o alerta do MP feito há dois anos sobre a regularização da área, também não deu resposta a um projeto oferecido pela companhia de habitação do estado, a CDHU, para reurbanizar a Vila Sahy. Representante do MP sobrevoou os pontos mais afetados pelos deslizamentos em São Sebastião e afirmou que foi uma tragédia anunciada. Então, né? Anunciada e ignorada, até que ocorreu!
Existem outras medidas anunciadas tardiamente para quem perdeu a vida ou tudo o que construiu no decorrer da sua existência, só que não caberia no espaço desta coluna. O que cabe aqui é a indignação ao saber que muita coisa poderia ter sido feita e não foi. E que soluções podem sim ocorrer rapidamente para melhorar a vida do cidadão, quando existe a vontade das autoridades para que elas ocorram. Fica a dica para todos!
Infelizmente, muitas vezes, a máquina pública existe mais para atender interesses terceiros do que os da população. Alguém duvida disso?
Edison Pires